Passado algum tempo, esfumado o buzz e nascidos outros temas, entendi que era hora de rabiscar sobre “O caso Samsung e a mala da Pepa”.
Como ponto prévio, uma declaração de interesse, já que tenho um gadget da Samsung e nutro especial simpatia pela marca e seus diversos produtos.
15 de Fevereiro de 2013
Tomei contacto com a situação quando vieram ter comigo e me perguntaram se “já tinha visto a confusão que a campanha da Samsung estava a dar?!”.
Acto contínuo, perguntei “que campanha”, já que não tinha reparado em nada que se assemelhasse a uma campanha publicitária, tradicional ou online.
A minha primeira ilação foi de que eu não seria um dos target da campanha, que não me seria dirigida e, logo, teria estado pouco desperto para a receber. Em segundo lugar, presumi que alguma coisa falhou no processo de comunicação da mesma, na medida em que sendo assíduo frequentador das redes sociais e do mundo online, a determinado ponto, deveria ter detectado a campanha.
Portanto, as minhas primeiras dúvidas foram para o processo da campanha e não para o seu conteúdo. Pelo que, a pergunta base desta análise terá sido: porque é que eu, possuidor de um gadget Samsung, não recebi qualquer alerta sobre a campanha, para me tornar num possível disseminador e contribuinte para o objectivo viral que estaria, certamente, subjacente a este projecto preparado para a internet.
Ainda com as ideias em construção, procurei então perceber os problemas que estavam a ser apontados à situação. O que fora dito pela PEPA? Qual foi a ideia da Samsung? Qual a medida do buzz negativo? A opção da retirada do vídeo por parte da Samsung foi boa?
Para melhor enquadrar-me na problemática, fiz alguma pesquisa sobre as incidências do caso, em particular sobre as perspectivas e considerações veiculadas por especialistas do sector e outros comentadores, em jornais, na TV e nas redes.
O muito (pouco) daquilo que foi dito
Muito do que foi dito rondou o plano do comentário fácil sobre o quadro social, cultural e pessoal de Pepa, bode expiatório para muitas frustrações pessoais e de classe, na essência, porque o seu “desejo” e “conquista” para 2013, foi acusado de estar desenquadrado para a altura da crise que vive o País. O facto é que alguns destes especialistas e publicitários dedicaram mais tempo e espaço a esta dimensão do caso do que ao processo criativo, sendo certo que a produção publicitária não deve descurar a realidade onde o anúncio se vai inserir (Ou deve?!!).
Vi, inclusive, uma jornalista da SIC, com tom paternalista a sugerir à blogger que era melhor expressar outro desejo... Certamente, numa clara postura de defesa de liberdade de expressão e de opinião!
Para além disso, na comunicação social foi colocada a tónica no forte buzz negativo que a campanha gerou nas redes e no recuo da SAMSUNG - visto como aceitação das críticas e como reacção ao buzz negativo, na medida em que lamentou ter ferido susceptibilidades.
Para segundo plano, ficou a informação sobre as características da campanha, preparada para o universo online, logo naturalmente montada para ignorar a forma tradicional de lançamento, de conteúdos, de intervenientes e de promoção.
Recapitulando
A campanha da Samsung chamou-se “Desejos para 2013”. Consistiu no convite a 5 bloggers da moda e de lifestyle para fazerem o balanço do ano e partilhar um desejo para 2013. Como é do conhecimento comum, trata-se de universo paradigma de uma forma de estar na vida e na sociedade, fontes específicas, conteúdos próprios, targets bem direccionados... Ou seja, qualquer leitura simplista ou cartelizada das mensagens dificilmente respeitará a análise objectiva e técnica do projecto. Pergunto-me também se interessava fazer uma leitura objectiva, quando pareceu que meio mundo condenou a PEPA e outro meio mundo a SAMSUNG?
O caso foi, desde logo, eleito para a categoria daqueles que serão “caso de estudo” sobre o efeito viral nas redes sociais. Contudo, os mesmos que assumiram esta dimensão do caso disseram que buzz negativo não passaria do fim de semana. Esta é uma perspectiva interessante de pontificar, já que a superficialidade com que os especialistas decidiram brindar a análise sobre o caso só poderia degenerar em conclusões brilhantes como esta: bastava um bom pedido de desculpas da SAMSUNG e a correspondente retirada do vídeo da sua página para o ruído se desvanecer...
A ideia mais forte que passou nos media tradicionais é que houve uma “explosão” nas redes sociais contra a campanha e seus intervenientes. Segundo a Cision, em menos de 24 horas, os comentários, partilhas, no facebook e no twitter, rondaram os 3.500. Uma página criada para satirizar o vídeo, “A Pepa quer uma mala”, teve mais de 6.000 a 7.000 Likes, ao fim de um dia. E até a resposta da SAMSUNG, no Facebook, obteve 385 Likes e 76 partilhas.
Esta foi a medida do impacto naqueles dias agitados...
Especialistas do mundo das marcas defenderam que “as marcas ainda estão a aprender com os erros no mundo digital”. Mas que erros? Temos erros digitais que não são humanos, que não envolvem pessoas? Há comunicação simplesmente digital? Se o erro da marca em causa é da esfera do mundo digital, para quê então chamar à baila o conteúdo da mensagem? Se é digital que susceptibilidades feriu? As susceptibilidades do mundo digital? Não serão virtuais?
O que se nota é que nesta espécie de novo mundo que os especialistas em marketing estão a tentar criar para as marcas há uma confusão tamanha que se diz tudo sobre tudo não significando absolutamente nada.
Li ainda a afirmação a propósito do recuo da SAMSUNG que “a atitude da tecnológica não é condenável, se a campanha não estava a produzir efeito.” Surtir efeito? Afinal, teve ou não teve um forte buzz, mesmo que seja negativo? Surtir efeito, em que medida temporal? Num dia, num fim de semana, numa semana?
Há quem tivesse classificado o vídeo como uma “total incompetência” e de uma “total imprudência”, porque, veja-se: se tivesse sido alguém com um sotaque alentejano teria sido bom, um espectáculo. Mas, como foi com “uma rapariga de classe média da linha de cascais”, o destino só poderia ser o de ter sido “arrasado.” A menina Pepa representava “ali uma classe e um estilo de vida que convinha desprezar” e, logo, “qualquer pessoa competente ou apenas razoável entenderia que o vídeo só poderia resultar em chacota”.
Assim, com base numa dita “análise publicitária de um especialista”, só se pode concluir isto – e não outra coisa qualquer – que “bastaria competência publicitária (seja lá isto o que significa), intuição sociológica, e sensibilidade politica em tempos de crise para saltar aos olhos e ouvidos que o conteúdo e a forma eram totalmente inadequados para uma promoção fora do mundo da moda.” STOP: mas, a promoção era para fora do mundo da moda? Quem disse? É claro que fica disponível para todos verem... Mas quem poderia comprar um tablet e uma máquina fotográfica de topo da SAMSUNG? Toda a gente no País? Ou, porque estamos em crise acentuada, os públicos capazes de adquirir gadgets não podem ser alvo de campanhas publicitárias?
Como é que querer atingir um objectivo positivo, “consumista” como a própria PEPA assume, através do seu trabalho e esforço, pode ter conotações negativas, seja lá em que língua for, em que vídeo promocional for e que possa ser transformado em motivo de chacota? No tempo em que vivemos, o que se precisa não será precisamente o incentivo ao sonho, ao empenho em conquistar coisas? Faz diferença se é uma mala caríssima ou um par de sapatos normais? Em que medida é que aquela mensagem constitui uma ofensa àqueles que passam dificuldades actualmente? Antes da crise já não tínhamos muita gente a passar dificuldades? Nem por isso vimos os grandes analistas de publicidade o os comentadores residentes em muitos canais de comunicação se insurgirem contra a postura agressiva do marketing incentivando ao consumo desmedido!
Conclusão
Para melhor perceber a dimensão do caso e tentar manter-me dentro da análise do campo publicitário, pareceu-me correcto procurar ainda mais alguns indicadores sobre a reacção ao vídeo, recorrendo ao processo comparativo com outros. Na essência, porque uma das análises que terá de ser feita a este caso será a da “reacção à campanha” e não ao vídeo em si mesmo.
É que a reacção mostra muito do que se passa actualmente no País, em termos sociais e económicos, mas também no mundo da comunicação, quer publicitária quer dos media. É tão fácil tornar algo tão fútil, para entrar na nomenclatura de alguns e tornar num caso nacional... Acontece com uma frequência desmedida. Recorde-se o caso da Cacharel ou ainda do especialista da ONU que enganou a SIC e o Expresso... O bom disto é que tais polémicas se esvaziam da mesma forma que foram criadas: sem efeitos, sem razões, sem memória. Contudo, é esta superficialidade analítica, processada em cima do joelho que faz do mundo da comunicação um sector em crise.
Números a consultar
Faltou alguma comparação nos dias em que a comunicação social se dedicou a abordar o tema, por inércia, por comodismo ou simplesmente porque as palavras de especialistas são suficientes para os juízos dos factos.
Em números, o vídeo da SAMSUNG e da Pepa, (colocado há 1 mês) no Youtube registava no dia 13 de Fevereiro de 2013: 47.808 visionamentos. A entrevista dada à SIC (há um mês atrás) tem 62.516 visionamentos.
Optei por comparar este vídeo com outros de diferente natureza, tendo com ponto comum a capacidade potencial para gerar buzz:
- Num registo mais sério, note-se que o vídeo documental sobre o “comunismo – história de uma ilusão, parte I” tem, à mesma data, 30.646 visionamentos.
- Já no registo cor-de-rosa, escolhi um conjunto de vídeos da mais recentes Casa dos Segredos e de algumas situações especificas. Assim, o Desfile de bikini das concorrentes tem 490. 394 visionamentos em 4 meses, o vídeo Sandra aprende a nadar 55. 910 em 4 meses, o Strip de Alexandra 63 224 em 2 meses e o da Cabeçada de Wilson a Hélio 291 356 em 3 meses.
- Ainda no mesmo registo, de assinalar que o vídeo do Hélio e Guedes Skate, então considerado também um hit no Youtube tem 83 564 visionamentos num ano.
Os indicadores com referência à data de 13 de Fevereiro dos vídeos pesquisados no Youtube mostram claramente que o vídeo da SAMSUNG e da Pepa ficou aquém de ser um estrondo na internet. Para atingir os números de alguns dos vídeos seleccionados, o vídeo da Pepa precisaria de 10 meses de exposição (considerada a evolução mensal).
Neste particular, há que sublinhar dois aspectos importantes:
1 - que o visionamento no Youtube não implica a leitura imediata de que o resultado do visionamentos tenham terminado com uma posição negativa sobre a publicidade;
2 – que poderá ter existido um boom de visionamentos nos dias mais quentes da polémica (como certamente aconteceu na maioria dos casos em comparação).
Cabe aqui perguntar, se em termos publicitários, o grande erro da SAMSUNG não terá sido precisamente o de retirar o vídeo da sua rede online?
Comparando o Facebook
Fiz ainda um outro exercício na plataforma do Facebook, comparando vários perfis com aquele que foi criado para satirizar o vídeo, que se chamava “A Pepa quer uma mala”, e que tinha 12.417 gostos à data de 13 de Fevereiro.
Encontrei outros:
- um com o mesmo nome mas com 86 likes;
- um chamado “A Pepa quer uma mala chanel em 2013. Vamos ajudá-la”, com 12 likes;
- um terceiro chamado “A Pepa que uma mala. So what?”, com 52 likes.
Para não me precipitar na análise procurei outros perfis: Wilson Teixeira da Casa dos Segredos III tem 79.269 likes, o CR7 54.283.827 Likes, Dakar – The Ultimate Rally Race 766 mil, TAP Portugal 338.116 Likes e a RFM 632.856. Escolhi ainda o caso de Cavaco Silva com 160.242 gostos.
Para perceber se poderíamos realmente falar de uma explosão na rede, também aqui, neste campo de comparação dos perfis do Facebook, pesquisei perfis diferentes, entidades com características diversas, umas mais associadas à do perfil em causa.
Penso que a conclusão é fácil. Eventualmente, nos primeiros momentos, os Likes dispararam em flecha, mas não passou disso mesmo, como comprovam os dados da Cision que já referi. Eu diria que se tratou de uma pequena explosão que não chegou a ser, um pouco à imagem dos foguetões que depois da contagem decrescente têm de abortar a missão.
Cavaco Silva, que não será um primor de simpatia e exemplo de boa comunicação, é uma comparação a reter. Para atingir o seu patamar, o perfil em causa precisaria de 10 dias consecutivos, mantendo os 12.000 Likes por dia. Mas se compararmos um exemplo de menor influência, o de Wilson Teixeira, que é um caso à medida da Mala de Pepa, continuamos a ter uma difusão considerável de impacto.
Mas se compararmos os 12 mil e muitos da Mala de Pepa com entidades como a TAP e a RFM, entidades sérias, dinâmicas e úteis, certamente que o mundo dos especialistas da publicidade digital e online terão muito que pensar antes de considerar que houve uma explosão séria na rede social como tentaram fazer crer o caso da Mala da Pepa. Naturalmente que também se pode argumentar que o facto da marca ter retirado o vídeo do seu Facebook contribuiu para estancar o buzz negativo... Foi por isso mesmo que comparei o visionamentos no Youtube, numa página neutra, onde o vídeo lá continua, como os outros, mesmo sem haver falatório activo.
Na minha humilde opinião, conotar este caso como “uma forte explosão”, apesar dos seus reduzidos efeitos colaterais, imediatos ou alargados no tempo, é o mesmo que furar um balão logo depois de encher.
A rematar, apesar de ter lido ao de leve uma referência ao facto de ter existido uma espécie de cyber-bullying à PEPA, tive dificuldade em encontrar alguém que tivesse sequer considerado a probabilidade de ter existido contra-informação por parte, por exemplo, de alguma concorrente da SAMSUNG.
Estarei a considerar alguma hipótese tão extraordinária? É que, ao que se sabe, o vídeo até demorou (em termos de tempo digital) a ser descoberto...
O que é curioso é não ter visto qualquer alusão ao tema. Mas, aqui, o intriguista devo ser eu...
Obrigado por terem lido esta análise
Marco Freitas