Director da RTP não sabe ainda o futuro dos espaços de comentário personalizados e reage vivamente às queixas dos partidos. Internamente, tomou há dias uma decisão polémica: criou regras para o uso das redes sociais.
Um pedido de José Rodrigues dos Santos obrigou-o a mudar de planos.
No dia em que se realizou esta entrevista, José Alberto de Carvalho teve de o substituir no "Telejornal".
Contou-o sem se mostrar indisposto com a contrariedade.
Desenvolveu dois argumentos: José Rodrigues dos Santos tinha de testemunhar em tribunal e, além disso, vê a presença do director em antena como um sinal de transparência importante por parte da estação pública diante do espectador.
Quem decide dá a cara, diz.
Na altura em que aceitou o cargo de director de Informação da RTP tinha ideia do fardo: a estação está sempre a ser acusada de instrumentalização, a ser criticada por relatórios da ERC...
Tinha noção, era antes director adjunto. É uma luta constante, um processo de argumentação diário. Ontem, por exemplo, tive uma reunião com elementos do Comité Central do PCP, na sequência de uma queixa que fizeram à ERC (Entidade Reguladora) por causa do "Prós e Contras".
A propósito, é o programa que recebe mais queixas na ERC. Como explica isto?
O "Prós e Contras" desempenha um papel fundamental na sociedade portuguesa: é o único programa de debate sobre actualidade a que todos os portugueses podem aceder sem pagar. E sendo um programa que trabalha questões polémicas, entendo-o com normalidade.
Mas por que é que não se convida o CDS/PP, o PCP?
Há aqui um equívoco. O debate em Portugal não se esgota nos partidos. Nem se esgota numa lógica de réplica permanente do debate parlamentar. Há excesso de partidarização no debate.
Coloque-se no lugar desses partidos. Sentem-se de parte.
Até no Parlamento, os tempos de intervenção são diferentes.
Mas falam.
Mas aqui também falam, não têm é de falar na mesma circunstância. Cabe na cabeça de alguém que a RTP queira omitir, esconder alguém? Em 2009, o PCP já esteve em sete programas. Não tenho de cumprir a agenda dos partidos.
Foi o que lhes disse? Como reagiram?
Foi, com toda a clareza. Acho que compreenderam. Também compreendo os argumentos deles. Mas tenho o direito de dizer não. Não pretendemos excluir os partidos, mas temos a nossa lógica de trabalho, como os partidos têm a deles. Temos dois programas da RTP onde existe uma lógica de representação: "Parlamento" e "Corredor do Poder".
É uma questão editorial, portanto.
Exacto. Estou farto de dizer isso.
Se há partido que não tem gostado da actuação da RTP é o PSD. Até por causa do relatório da ERC.
Conhece algum partido que tenha gostado? Há um problema com este modelo, que é ter-se atribuído "a priori" um valor de referência a cada partido, apurado em função dos resultados eleitorais. E agora, o último trimestre deste ano terá de ter novos parâmetros.
Mas não é estranho que seja sempre o PSD o sub-representado?
Disseram que o PSD vale 28,75% das notícias, e se não valer? O que é preciso é perguntar: ficou algum acontecimento relevante do PSD por acompanhar? E a resposta é não. Houve uma vez um deputado que disse que tínhamos falhado um debate parcelar sobre saúde. Se é esse o exemplo, estamos conversados.
Que modelo propõe?
O objectivo é inatingível. Para cumprir o estipulado, teria de emitir menos notícias dos partidos pequenos, o que não posso fazer: são critérios editoriais.
Outro assunto por esclarecer é o do futuro dos programas de Marcelo Rebelo de Sousa e António Vitorino. Os contratos terminam no primeiro trimestre de 2010...
Terminam com um mês de diferença: Fevereiro e Março.
Estão a ser renegociados?
Estamos a conversar. Os programas vão fazer cinco anos na RTP e é natural que se reflicta sobre os modelos.
Vai haver alterações?
Nada está fechado. Parece-me um pensamento excessivamente definitivo pensar que as coisas são imutáveis. Mas - este mas é muito importante - a RTP é mais forte e mais influente com os comentários do professor Marcelo e do doutor Vitorino. E eu quero continuar a contar com eles.
E a hipótese de os colocar frente-a-frente num programa?
Por exemplo. É um cenário que me agrada. Mas isso não depende só de mim, depende também deles. Mas é preciso dizer que estes programas existem porque existem estas pessoas. E portanto as "Notas soltas de António Vitorino" não podem de um momento para o outro ser as notas soltas do Manuel de Sousa.
E se o António Vitorino não está disposto a continuar...
Se não estiver disposto a continuar, teremos de ponderar todos.
Mas já recebeu alguma indicação nesse sentido?
As que recebi devem ficar entre nós. Estamos a reflectir. Vamos lá ver, eu nunca disse que queria acabar com o programa do professor Marcelo. Onde costuma haver problemas de interferências editoriais documentadas é noutra estação.
Já agora, que apreciação lhe merece a extinção do "Jornal Nacional" de sexta-feira?
Quando há um programa que não cumpre as regras, não honra as princípios éticos e deontológicos do jornalismo, não respeita a própria civilidade no tratamento das pessoas, confunde jornalismo com militância, tenho dificuldade em comentar...
E a decisão?
A decisão de acabar com o programa passou uma má imagem das relações entre medidas editoriais e de gestão.
Mas não é estranho ter acontecido em véspera de eleições?
Evito entrar na lógica da conspiração, mas aquilo foi um disparate pegado. Mesmo o facto de eu não concordar com a linha do noticiário e da senhora ter uma fixação por mim, que não sei explicar.
Há algum motivo que justifique essa má relação?
Não faço ideia. Só nos encontrámos fugazmente. E que eu saiba nunca lhe fiz mal nem me pronunciei sobre ela.
Para alguns cidadãos tem sobrado a sensação de que no jornalismo ou é pró ou contra Sócrates. Não se está a desvirtuar a sua essência?
Se isso acontecer, uma vez que não é assumido, é péssimo. Acho que só ajuda ao sentimento de nebulosidade que envolve a vida pública nacional. O país está permanentemente à beira do abismo. Ai, ai, que agora é o fim do Mundo. E depois não foi. Passado um tempo, voltamos ao mesmo. Nunca saímos nem do precipício, nem damos um passo em frente.
Essa imagem não se deve aos média? Não estaremos todos a fazer mau jornalismo?
Não é só um problema do jornalismo. É um problema de todas as entidades. Há é umas que colaboram, a vários níveis, na construção deste sentimento.
É uma questão de mentalidade?
Desconfiamos de nós próprios e assim é difícil fazer um caminho.
E em relação ao jornalismo em si?
O jornalismo não vive num mundo à parte. É um espelho da sociedade. E também temos dado maus exemplos. Há o caso da vigilância à Casa Civil e, refira-se, o aproveitamento que se fez do episódio com a Maitê Proença. Era irrelevante. Se algum aluno de jornalismo me apresentasse a história para ser elevado à categoria de notícia, chumbava. Portanto, chumbamos todos. E depois há um mimetismo grande no jornalismo português.
Seguimos sobretudo os maus exemplos...
Não é bem isso. Tem a ver com idiossincrasias. Os jornais americanos lutam por ter notícias diferentes; em Portugal, tentamos ter todos as mesmas histórias.
Sempre foi adepto do uso das novas tecnologias, o Twitter é ferramenta na redacção da RTPN...
E nesta redacção também. Acho que as novas redes sociais são uma ferramenta fundamental para o exercício do jornalismo. Mas, ao mesmo tempo, lançam uma série de novos desafios éticos e deontológicos. Aliás, publiquei há poucos dias um conjunto de recomendações de bom senso, que os jornalistas devem observar quando estão nessas redes. Do género nunca publicar nada numa rede social que ele não possa colocar na antena da RTP.
Isso cria um problema novo.
Ai, cria, cria. Mas é o problema que foi sentido pelo "The New York Times", pelo "Washinton Post", pela CNN, pela BBC, pela Reuters.
Estamos a falar também de páginas particulares?
Claro. O problema é quando o que se diz pode pôr em causa a sua credibilidade, pondo em causa o órgão para o qual trabalham, precisamente, o órgão que lhes dá essa visibilidade e credibilidade. A RTPN tem uma página no Twitter com seis mil subscritores. Nós acreditamos na utilidade, mas as pessoas têm de perceber que o Twitter, o Facebook não são espaços privados. Mesmo que tenham o meu perfil protegido, a partir do momento em que eu faça um retwitter, deixo de ter controlo sobre quem vê. Tive um incidente com um colega nosso por causa de uma coisa dessas.
Há alguma ingenuidade?
Está é na altura de as pessoas reflectirem sobre a nova geografia da nossa vida. Não é uma geografia física. É muito mais relevante o que eu digo online do que o que digo e faço no bairro onde vivo. As pessoas ainda não perceberam que na web os efeitos podem ser mais danosos. E que nos merecem, pelo menos, o mesmo cuidado da nossa vida física. Não é muito recomendável que um jornalista da RTP que esteja a fazer a cobertura de uma história manifeste opiniões tendenciosas no seu blogue. É discutível. Mas depende também de como o fizer.
As regras foram bem recebidas?
Sim. Houve um conjunto de circunstâncias que levaram a isto. Fomos o primeiro órgão por cá a fazê-lo. Nos Estados Unidos, um jornalista já foi despedido por causa de dois "posts" do Twitter.
Já teve de repreender alguém?
Tive de fazer reparos. É que vivemos um tempo em que voluntariamente as pessoas estão a prescindir das suas esferas privadas.
Tem Twitter e Facebook?
Tenho, mas discretos. O "The New York Times", no código de conduta que estabeleceu, chegou a um limite muito curioso: sugeriu aos jornalistas que tenham atenção aos amigos aceites no Facebook. "Porque se tiverem muitos 'friends' do partido democrata, vocês estão a pôr em causa a vossa independência".
Tem amigos políticos?
Amigos, não. Não tenho.
Não calhou? Por princípio?
Não calhou.
Costuma receber telefonemas de José Sócrates?
Eu falo com toda a gente. Falo com toda a gente.